segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

História da depressão:


A melancolia inspirou algumas das maiores obras da arte e da ciência - e é um dos maiores problemas que a humanidade precisa enfrentar neste século. Acompanhe os mais de 2 500 anos de história da depressão. 

Texto de Lúcia Monteiro



O cotovelo apoiado na perna, a coluna curva, o rosto pálido e inclinado, caído sobre a mão. O corpo parece tenso e pesado, e o olhar, perdido no infinito. Olhe para o senhor da imagem acima e você terá a impressão de fazer parte de um mundo em que o dia tem 50 horas e até o Sol faz seu percurso em um ritmo mais lento que de costume. Uma sensação? Frio. Um sabor? Amargo. Cor? Preta. Desejo? A inércia completa.

Não são sensações incomuns. Em maior ou menor grau, nada menos que 340 milhões de pessoas têm momentos semelhantes a esse. É a estimativa do número de casos mundiais de depressão feita pelo grupo de saúde mental da Organização Mundial da Saúde. Ele também estima que uma em cada 4 pessoas desenvolverá a doença ao longo da vida. Mas nem sempre foi assim: ao longo da história, a situação foi vista de forma bem diferente.

O senhor acima é apenas um dos últimos representantes de uma tradição de mais de 2 500 anos. Trata-se de uma escultura do artista australiano Ron Mueck, sem título, mas conhecida como Grande Homem graças aos seus mais de 2 metros de altura. Assim como ele, inúmeras pinturas, esculturas e personagens da literatura ilustraram a mesma atitude cabisbaixa perante a vida. Hoje em dia, basta um exame rápido para diagnosticar pessoas como depressivas. Mas se estivéssemos na Grécia antiga falaríamos de melancolia e, na Europa medieval, de acédia. O melhor retrato já feito dessa história está na exposição Melancolia - Genialidade e Loucura no Mundo Ocidental, em cartaz em Berlim até maio, onde estão reunidas as imagens que aparecem nesta reportagem. Para entender esse processo até chegar à guerra declarada contra a depressão dos dias de hoje, é melhor começar do começo.

Homens de exceção

No mundo ocidental, quem primeiro notou características depressivas e as sistematizou em torno de um nome foi Hipócrates, considerado o pai da medicina, no século 4 a.C. Ele cunhou o nome melancolia a partir de duas outras palavras: mêlas = negro e kholê = bile. Melankholia significa portanto "bile negra", segundo ele, um dos 4 humores que constituem o corpo humano - os outros seriam a bile amarela, o sangue e a fleuma. No texto intitulado Da Natureza do Homem, Hipócrates (ou seu genro Polibeu, não se sabe ao certo) estabelece uma correspondência entre os 4 humores, as 4 estações do ano e as 4 características fundamentais da matéria (quente, fria, seca e úmida). A cada um dos humores ele relacionou um sintoma psicológico. Em seu estado normal, o homem teria os 4 bem equilibrados. O problema se daria em casos de excesso de um ou de outro. Bile amarela demais causaria um temperamento raivoso, da mesma maneira que a bile negra em abundância provocaria a depressão. "Se a tristeza e a angústia não passam, o estado é melancólico", disse Hipócrates em seus Aforismas.

No mesmo século, o filósofo grego Aristóteles, em uma obra conhecida como Problema 30, reparou em uma estranha coincidência: "Por que razão todos os homens de exceção na filosofia, na política, na poesia ou nas artes são manifestamente melancólicos?" Não foi o único a perceber isso. A propaganda do Prozac, o mais popular dos antidepressivos, enumera uma lista de "homens de exceção" acometidos pela doença: os americanos Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt, o pintor holandês Vincent van Gogh, os escritores Mark Twain e Ernest Hemingway, o inglês Winston Churchill, a atriz Marilyn Monroe e o bailarino Vaslov Nijinsky são alguns deles. A diferença é que, enquanto a indústria farmacêutica busca encorajar os doentes a se tratar, Aristóteles via na melancolia um atributo essencial da genialidade. Para ele, era um estado ao mesmo tempo patológico e desejável.

Podemos imaginar uma balança para medir como a humanidade encarou a melancolia em diferentes períodos e lugares. Na Grécia antiga, a balança estaria equilibrada - o peso do lado positivo é igual ao do lado negativo. Já na Idade Média, a balança pesaria de maneira extremada para o lado negativo. Não se falava em melancolia, mas em acédia. A palavra saiu de uso tanto no português como em outras línguas latinas, mas continua presente no dicionário. De acordo com o Houaiss, significa enfraquecimento da vontade, inércia, preguiça ou desordem mental, caracterizada por apatia, melancolia e descuido. Pois não é que a acédia entrou para o temido rol dos 7 pecados capitais? Isso mesmo, junto com a gula, a avareza e o orgulho, por exemplo.

A história é a seguinte: no início do século 4, centenas de monges estabeleceram alguns dos primeiros grandes monastérios católicos nos desertos da Síria e do Egito (nos dois retiros mais importantes, a sudoeste de Alexandria, viviam 5 600). Esses monges, chamados de anacoretas, pretendiam se isolar do mundo para, assim, fugir de toda e qualquer tentação. Só que, mesmo distante de tudo, restava ainda um demônio: a acédia. Evágrio Pôntico, antigo diácono de Constantinopla que se retirou no deserto em 383, descreveu assim a tentação, também chamada de "demônio do meio-dia": "Ele força o monge a manter os olhos fixos na janela, fora de sua célula, observando o sol para ver se ele está longe da 9a hora. Ele inspira a aversão pelo lugar onde o monge se encontra, por seu próprio modo de vida e pelo trabalho manual. Além disso, provoca a idéia de que a caridade desapareceu e que ninguém poderá consolar-lhe. O demônio da acédia usa todas suas forças para que o monge abandone sua célula e fuja".

É assim, com essa roupagem de tentação que leva ao pecado, que a acédia chega à Idade Média. Em todo o ocidente medieval, a definição que impera é a do frade dominicano são Tomás de Aquino (1227-1274), grande filósofo do cristianismo. Para ele, trata-se de "uma tristeza devastadora, que produz no espírito do homem uma depressão tal que ele não tem mais vontade de fazer nada. A acédia é um desgosto pela ação". Uma nova etimologia da palavra melancolia é forjada, o que contribui para aumentar a carga negativa: melan agora é ligada ao termo latino malus, que vale tanto para mal como para malsão, ou doente. Diante de definições tão desprezíveis, o que poderia fazer o homem medieval ao se sentir melancólico? Ora, não haviam muitas opções. Ou escondia o pecado, ou rezava para tentar banir o abominado sentimento de sua alma.

A melancolia só daria a volta por cima no século 19. Na Inglaterra dessa época, o prato mais pesado da balança é o da visão positiva: a moda elizabetana manda vestir preto e o spleen é um atributo essencial do romantismo. Órgão que se acreditava secretar a bile negra, o baço (ou spleen, em inglês), virou sinônimo de angústia, mau humor e depressão. As mulheres inglesas que andavam de cara amarrada por volta de 1800 diziam ter sido atingidas pelos vapores do spleen. Nada mais glamouroso, na época. Apesar de sofrido e devastador, o sentimento borocoxô é cultuadíssimo pelos românticos. Famoso poeta do período, o inglês George Gordon (1788-1824), mais conhecido como Lord Byron, influenciou escritores de diversos países. Os seguidores do chamado byronismo tinham em comum um sentimento de mal-estar, desajuste, solidão, desencanto e tédio, características resumidas na expressão mal du siècle ("o mal do século", em francês). O tuberculoso e taciturno Álvares de Azevedo (183-1852), autor de A Lira dos Vinte Anos, é o escritor brasileiro que melhor incorpora a linha. Na França, o poeta Charles Baudelaire (1821-1867) representa bem o espírito nos versos de A Morte dos Pobres:

A Morte é que consola e nos faz viver;

É o alvo desta vida e a única esperança

Que, como um elixir, nos dá fé e confiança,

E forças para andar até o anoitecer.

Em meio à tempestade e à neve a se desfazer,

É a luz que em nosso lívido

horizonte avança

É a pousada que um livro diz

como se alcança,

E onde se pode descansar e adormecer.

É um Arcanjo que tem nos dedos imantados

O sono eterno e o dom dos

extasiados,

E arruma o leito para os nus e os desvalidos;

É dos Deuses a glória e o místico celeiro,

É a sacola do pobre e o seu lar verdadeiro,

O pórtico que se abre aos

Céus desconhecidos!

Hoje em dia não se fala tanto de melancolia. A palavra ainda é usada para casos profundos de depressão, esse sim, o termo médico em voga. Mas qual é a diferença entre tristeza, melancolia e depressão? Bom, as fronteiras não são bem claras. De uma maneira geral, pode-se dizer que o termo depressão herdou boa parte dos atributos da melancolia do passado. Diferente dos gregos, no entanto, o mundo de hoje vê a depressão como uma doença sem qualquer implicação positiva. "A tristeza é uma emoção universal e tem o seu valor: leva à introspecção, ajuda a elaborar a frustração e contribui para o amadurecimento", diz o médico Teng Chei Tung, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. "Do ponto de vista clínico, a depressão é uma doença incapacitante e, diferente da tristeza, não pode ser controlada pelo paciente sozinho." Ou seja, a balança agora está no lado negativo.

Mal dos macambúzios

Como foi que a melancolia se transformou em doença, entrou na seara da psiquiatria e passou a ser combatida com uma intensidade semelhante à da Idade Média? É verdade que os gregos já viam o lado patológico da melancolia. Mas nada comparado ao problema de saúde pública de nossos dias. A partir do século 18, os médicos começaram a se interessar pelas doenças mentais. Eram os chamados alienistas, que consideravam a melancolia como um tipo de loucura ou como uma mania. O fundador da psiquiatria na França Philippe Pinel (1745-1826) - aquele que deu origem à expressão "ficar pinel" - e, mais tarde, seu aluno Jean-Etienne Esquirol (1772- 1840) estão entre os mais notáveis estudiosos da área. Em 1915, Freud comparou a melancolia ao luto. Segundo ele, "ambos provocam uma depressão profundamente dolorosa, uma suspensão do interesse pelo mundo exterior, a perda da capacidade de amar e a inibição de toda a atividade". A diferença seria que, enquanto o luto é a dor pela perda de alguém ou algo, o melancólico se ressente da perda do "eu", o que também traria uma diminuição da auto-estima.

Um grande avanço veio com a descoberta - por acaso - dos antidepressivos. Na década de 1950, percebeu-se que a isoniazida, enzima usada para tratar tuberculosos, produzia nos doentes uma inesperada sensação de ânimo e bem-estar. Uma reação similar foi notada com a inipramina, um antialérgico. Usadas para tratar depressivos, no entanto, essas substâncias provocavam muitos efeitos colaterais, já que não haviam sido criadas com esse fim específico. Os antidepressivos agem sobre algumas substâncias que regulam a transmissão de impulsos nervosos, os neurotransmissores - em especial sobre a serotonina, que além de influenciar o temperamento, controla a liberação de hormônios que regulam estados como o sono e a fome. Deprimidos apresentam distúrbios na regulação de serotonina, mas comece a brincar com essa substância e você corre o risco de desregular o organismo inteiro.

A primeira droga capaz de agir sobre a serotonina sem tantos efeitos colaterais foi o Prozac, que começou a ser vendido nos Estados Unidos em 1988. Graças a ele, os antidepressivos se tornaram populares. "O remédio é tão seguro que dá a impressão de que qualquer médico pode tratar a depressão", afirma Tung, do Hospital das Clínicas. "Mas hoje em dia a medicação é acompanhada com mais cuidado. A associação dele com outros medicamentos pode gerar intoxicação. Estudos sugerem até que tratamentos com antidepressivos podem agravar a depressão ou levar ao suicídio."

Mesmo com remédios, as estatísticas atuais sobre a depressão são alarmantes. Além dos 340 milhões de pessoas com a doença, estima-se que em 2020 ela será a 2a principal causa de incapacidade no mundo, atrás apenas de doenças cardíacas (hoje, ela ocupa a 4a posição desse ranking). Não é à toa que, entre as medicações só comercializadas com receita médica, os antidepressivos são os campeões de venda. Por outro lado, nunca a depressão foi tão estudada quanto hoje, o que abre a perspectiva de melhores remédios.

Mas será que estamos no caminho certo? "Não acredito que nós hoje compreendemos melhor a melancolia do que os gregos", diz o historiador da arte Jean Clair, curador da exposição Melancolia, que estudou as abordagens artísticas da depressão por mais de 10 anos. "Nossa época a nega. É preciso ser feliz, engraçado, divertido, positivo e, nesse contexto, a melancolia é proibida. Se você se sente melancólico, toma um Prozac. O ideal do homem hoje em dia é se manter constante o tempo todo, sem alterações de humor, como as frutas e os legumes do supermercado, que têm sempre a mesma cor, o mesmo tamanho e o mesmo gosto." A mostra reúne 250 obras, entre telas, desenhos, gravuras e esculturas, todas com o tema da melancolia. "O público se dá conta de que a melancolia faz parte da nossa cultura e não é apenas uma doença. Além do mais, é reconfortante saber que o que sentimos se inscreve na história e foi responsável por algumas das mais importantes obras de arte", diz Jean Clair. Na França, a mostra atraiu 330 mil pessoas em 3 meses. Na esteira do seu sucesso, foram lançados mais de 10 livros sobre o tema. "O sofrimento da melancolia constitui o homem, da mesma maneira que os peixes têm espinha", diz o professor Jackie Pigeaud, da Universidade de Nantes, França, conhecido por seus estudos sobre a história do pensamento médico. Pacientes com depressão clínica devem buscar ajuda e procurar se tratar, mas ficar triste ou ter alterações de humor não deve ser motivo de vergonha. Como diz Pigeaud: "Anormal é não sofrer nunca e estar sempre contente".

Para saber mais:

Tristeza Maligna - Lewis Wolpert, Martins Fontes, 2003

Flores do mal - Charles Baudelaire, Nova Fronteira, 1985
www.smb.spk-berlin.de - Exposição Melancolia, em cartaz em Berlim

sábado, 23 de fevereiro de 2013

A MOÇA TECELÃ
 

   "Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite.  E logo sentava-se ao tear.
    Linha clara, para começar o dia.  Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
    Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
   Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo.  Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido.  Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
    Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

    Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava.  Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas.  E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido.  Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete.  E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
    Tecer era tudo o que fazia.  Tecer era tudo o que queria fazer.
    Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

   Não esperou o dia seguinte.  Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado.  
   Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
    Nem precisou abrir.  O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
    Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
     E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu.  Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
     — Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher.  E parecia justo, agora que eram dois.  Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
       Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
       — Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou.  Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
     Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia.  Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
     Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
     — É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
    Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados.  Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
      E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros.  E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
    Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
    Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.  Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
    A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar.  Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas.  Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
    Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara.  E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte."

                                                     Fim
          Perfil:
          Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil.  Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis.  Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei, mas não devia e também por Rota de Colisão
     Dentre outros, escreveu E por falar em amor, Contos de amor rasgados, Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher, Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Esse amor de todos nós, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento. 
     Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil.  Casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
                    (Texto e perfil extraídos do livro "Doze Reis
                    e a Moça no Labirinto do Vento", Global 
                    Editora, RJ, 2000.)
     
                                        Resenha do Jô:
          Este conto de fadas narra o dia a dia de uma menina que tece, tece, tece.  Seus momentos, passa-os ela a bordar, carinhosamente, a Vida e a Natureza.  E, sob cores diversas, em seu tear, concretizam-se os mais legítimos sentimentos, que se tornam reais, criativos, válidos, práticos, transmutando-se em forma e movimento assim que tecidos.
         Contente em seu labor, vai imaginando e tecendo, materializando auroras, noites, sol, chuva, aves, bichos, paisagens...
          Nada lhe falta: alimentos (leite, peixes etc), roupas...  Tudo lhe sai do tear, pronto e bonito.  Perfeccionista moça.
    Até que se percebeu envolta em uma cósmica e desamparada solidão, necessitando de alguém junto a si, para sempre: constrói então, dos fios mais fortes e belos, um companheiro, o esperado esposo.  Passa logo a sonhar com filhos, lar, vizinhos, com um cotidiano pacato e social, enfim.
      O homem, porém, tinha idéias opostas: após conhecer o poder do tear e a habilidade da moça, cresceu em ambição: trancafiou-a, cercando-a de ordens absurdas: uma casa melhor e maior; depois um palácio, com pompas, torres, tesouros, jardins, criadagem...  Mas amor que era bom, não lhe dava.  Sequer a notava.
         Inteligente, sensível e decidida, uma noite ela quis se desfazer de todo aquele luxo inútil: rápida, destece castelo, ouro, prata, animais e o próprio opressor.  Livre, finalmente!
      ...É quando percebe a manhã que tenta chegar, enviada pelos segredos insondáveis da Natureza: auxilia-a, manejando com prazer o tear, conduzindo-a desde as misteriosas brumas do tempo.  Música nascente.
         Traz com a aurora as nuvens, os pássaros, o arvoredo, os ventos, os sons maviosos da harmonia universal. (Harmonia que, interrompida pela presença dominadora do ex-marido, ressurgia agora, por suas mãos tenras, inefáveis.)
          Retornara afinal à sua vida singela e ditosa, povoada de simplicidade e alegria, bondade e sonhos, gentileza e primaveras.
Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/1413748


Realidade, Sonho ou Fantasia?
Definitivo, como tudo o que é simples. 
Nossa dor não advém das coisas vividas, 
mas das coisas que foram sonhadas 
e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, 
apenas agradecer por termos 
conhecido uma pessoa especial, 
que gerou em nós um sentimento 
intenso, e que nos fez companhia
 por algum tempo; e fomos assim felizes.
Sofremos por quê?
Porque esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido juntos e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não o fizemos, por todos os beijos cancelados, pela eternidade interrompida.
Sofremos, não porque nosso trabalho é desgastante, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos, não porque as pessoas são impacientes conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a elas nossas mais profundas angústias, se elas estivessem interessadas em nos compreender.
Sofremos, não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos, não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim, que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso: se iludindo menos e vivendo mais.
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, fugindo do sofrimento perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive. 

 (Carlos Drummond de Andrade)
 
Realidade, Sonho ou Fantasia?
Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos
conhecido uma pessoa especial,
que gerou em nós um sentimento
intenso, e que nos fez companhia
por algum tempo; e fomos assim felizes.
Sofremos por quê?
Porque esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido juntos e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não o fizemos, por todos os beijos cancelados, pela eternidade interrompida.
Sofremos, não porque nosso trabalho é desgastante, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos, não porque as pessoas são impacientes conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a elas nossas mais profundas angústias, se elas estivessem interessadas em nos compreender.
Sofremos, não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos, não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim, que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso: se iludindo menos e vivendo mais.
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, fugindo do sofrimento perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.
Viver não dói. O que dói é a vida que não se vive.

(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Comédias românticas causam prejuízos à vida real?




Pesquisadores da Universidade de Heriot-Watt, na Escócia, constataram (em um trabalho bem divertido) que assistir a comédias românticas deixa a gente com expectativas irreais – e potencialmente perigosas – quantos aos relacionamentos da vida real.
Analisando 40 sucessos do gênero (como “Enquanto Você Dormia”, com o casalzinho Sandra Bullock e Bill Pullman, e “Mensagem para Você”, com Meg Ryan e Tom Hanks), eles isolaram alguns dos elementos mais perigosos das histórias: os conceitos de que casais se apaixonam instantaneamente; que, no final, o destino sempre une as pessoas que se amam; e que há apenas um par perfeito para cada um. Além disso, nos filmes as traições e mancadas são superadas com muito mais facilidade do que na vida real.
Identificado o inimigo, os especialistas colocaram cerca de 100 voluntários para assistir a “Escrito nas Estrelas” – aquele filme fofinho com John Cusack e Kate Beckinsale. Outros 100, enquanto isso, assistiam a um drama de David Lynch.
Em um questionário feito após a sessão, quem viu a comédia romântica demonstrou convicções muito mais fortes nos conceitos românticos, como destino, do que os outros. Inocentes. “Se você acha que é assim que as coisas funcionam, pode se preparar para uma decepção”, aconselha o líder do estudo, Bjarne Holmes.

http://abr.io/F14q